Missão de Jesus Cristo, missão de todos nós.
Pe Edson Friedrichsen, CM
A evangelização é um processo que inicia com a proclamação da Palavra, com o anúncio da pessoa de Jesus Cristo. Esse processo desperta as pessoas a recomeçar um caminho de vida no qual os valores do Evangelho são praticados. As maneiras com as quais o Evangelho pode traduzir-se na ação cristã são ilimitadas. Algumas dessas possibilidades são: as obras de caridade, a luta pela justiça, a promoção dos direitos humanos, a construção da comunidade e os projetos para o desenvolvimento humano. Assim, a mensagem praticada se transforma em um caminho de vida que dá testemunho da Boa-nova proposta por Jesus. É a partir do anúncio da Palavra que as pessoas se sentem chamadas a assumir o compromisso e a missão de anunciar e testemunhar os valores do Evangelho.
A consciência de que somos missionários pelo batismo deixa muito claro que a missão é ação generosa, gratuita, que parte de uma motivação interior e, por isso, o missionário e a missionária são movidos, ou seja, são conduzidos por uma força que nem os desafios, as resistências, as perseguições ou mesmo ameaças como podemos constatar nos escritos do Apóstolo Paulo, os poderá conter.
O Apóstolo Paulo é quem, da melhor forma, pode nos ajudar a responder algumas questões que envolvem a missão de ser cristão, tais como: O que Jesus fala sobre a missão dos seus discípulos? “Quem” Jesus envia?; “A quem Jesus envia”?; “Para onde” Jesus os envia”?; Para falar “do que” ele os envia? Quais as características necessárias para ser um missionário?
As respostas a essas questões nos levam a perceber que, como Igreja de Jesus Cristo, somos convidados a ser missionários ajudando a fortalecer a comunidade do povo de Deus em todos os lugares, de forma concreta, participando ativamente na realização do Reino. Dessa forma o discípulo missionário atua na comunidade para que ela seja expressão do jeito de ser e de se relacionar de Jesus, assim sendo uma comunidade solidária e fraterna na qual tudo se partilha. Nessa comunidade a adesão a Jesus Cristo é tamanha que, as pessoas que dela participam, imbuídas dos valores do Evangelho, sentem a necessidade de estender a rede, alcançar sempre mais espaços, chegando aos “confins do mundo” (At 1,8). Foi o que Paulo fez logo após a sua conversão: “Saulo esteve alguns dias com os discípulos em Damasco e, imediatamente, nas sinagogas, começa a proclamar Jesus, afirmando que ele é o Filho de Deus” (At 9,20).
Se fizermos uma síntese das cartas paulinas, podemos dizer que Paulo trabalhou as questões humanas muito de perto. Frisando sempre para uma vivência, pautado segundo o Espírito, não se deixando levar pelas vontades pessoais, Paulo enfatiza a caridade como dom maior, onde os demais dons não seriam nada sem o amor (1Cor 13). “Deus é amor” (1Jo 4,16), e viver segundo o Espírito é entrar no mistério do Amor que é o próprio Deus.
É maravilhoso perceber essa ligação de Paulo com Jesus Cristo a ponto de se identificar com o próprio Cristo, quando ele, superando a Lei, convertendo-se radicalmente para entrar numa relação de gratuidade de Deus, alcança a verdadeira liberdade dos filhos de Deus, e exclama: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim. Minha vida presente na carne, eu a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou a si mesmo por mim!” (Gl 2,20).
Cumprir a missão recebida é um compromisso que ultrapassa todas as formalidades legais de reconhecimento, de remuneração, de direitos. A relação que se instaura é incompreensível para o pensamento humano. O importante é usar a voz para continuar anunciando o Evangelho, caminhar para continuar o percurso da missão e atingir o maior número de pessoas, doar a própria vida para estar totalmente a serviço da evangelização, compreendendo, assim como Paulo, que “Anunciar o Evangelho não é título de glória para mim; é, antes, uma necessidade que se me impõe. Ai de mim se eu não anunciar o evangelho!” (1Cor 9,16).
A missão de Jesus recebida do Pai esteve sempre presente nos anseios mais íntimos de cada ser humano, apesar de, na maioria das vezes, ser abafada pela cultura de consumo e de morte. Portanto, tal como Jesus que veio realizar a missão recebida do Pai de anunciar a Boa-nova aos pobres, proclamar a remissão aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade dos oprimidos (cf. Lc 4,18-19), pregar e expulsar os demônios (Mc 3,15); assim também deve ser o agir do(a) missionário(a), hoje: assumir a luta que Jesus iniciou contra tudo que empobrece a vida do povo.
Diante disso podemos entender que o Evangelho precisa ser anunciado também fora das estruturas formais e por batizados comprometidos, missionários que se fazem trabalhadores junto dos trabalhadores, que se incultam na realidade do povo, sendo empáticos às suas situações, identificando-se com o povo. Portanto, a razão pela qual Jesus veio ao mundo deve estar sempre presente na vida do(a) missionário(a) como realizador(a) do projeto do Pai: “Eu vim para que tenham a vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Por isso, como consequência, o seu lugar social é sempre onde a vida está ameaçada, por causa do sistema econômico injusto que exclui e marginaliza, empobrecendo o povo cada vez mais, e onde o sistema religioso já não revela o rosto do Pai.
Identificando-se com Jesus, o missionário é convidado a ser pobre (Lc 14,33). Fazendo-se pobre, ele é enviado aos empobrecidos. Somente fazendo a experiência de pobreza junto aos pobres é que o missionário vai sentir a dureza da pobreza, fruto da injustiça, podendo receber a iluminação e a força necessária para uma caminhada libertadora (cf. Ex 3,7-10). O esvaziar-se como Jesus, que assumiu a nossa condição humana (Fl 2,7), é o processo pelo qual todo missionário deve passar.
O cristão que vive seu compromisso missionário sabe o que deve fazer olhando para o modelo Jesus; nós que vivemos nosso batismo e nossa vocação de sermos cristãos temos um compromisso de evangelizar e servir como Ele fez.
O(a) missionário(a) é alguém, portanto, que, assim como Zaqueu, ao ver Jesus, se converteu (Lc 19,1-10); muda de vida, aderindo às suas exigências. É como a Samaritana (Jo 4,5-52) que, no diálogo com Jesus, pede a água viva e é introduzida no mistério da missão de Jesus e, envolvida pelo Espírito, sai correndo, deixa os seus cântaros e vai anunciar o Messias que ela acabou de encontrar. É ainda, como Maria Madalena, (Jo 20,17) que viu Jesus e sai correndo para anunciar aos discípulos a ressurreição do Senhor.
Esses exemplos nos ajudam a perceber que ser discípulo missionário em nosso dia a dia é agir concretamente, participar ativamente, ajudar a transformar a realidade concreta de pessoas, de grupos, de sociedades, anunciando a Boa-nova antes de tudo pelo testemunho.
A missão é universal porque a mensagem de Jesus é universal. Ele revela a todos o rosto do Pai: “Quem vê a mim vê o Pai” (Jo 14,9). Jesus, a revelação do Pai, veio trazer a salvação a todos. E esta salvação deve ser levada, anunciada a todos, até os confins do mundo, para que todos sejam a expressão viva do Pai: “Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48). O missionário, portanto, deve viver e trabalhar de tal modo que se torne realidade, o traço do rosto do Pai escondido dentro de cada um de nós e que precisa ser revelado a todos.
Convertido e transformado pelo toque do Espírito, o missionário é movido pela mesma força, vivendo a sua vocação, defendendo a justiça e o direito, anunciando e testemunhando a paz, a fraternidade, a solidariedade, o amor e o perdão. Sobre isso nos alerta o Papa João Paulo II:
O homem contemporâneo crê mais nas testemunhas do que nos mestres; crê mais na experiência do que na doutrina, mais na vida e nos fatos do que nas teorias. O testemunho da vida cristã é a primeira e insubstituível forma de missão (Cf. Redemptoris Missio, n. 42).
Em todas as nossas realidades comunitárias urge um trabalho missionário e, com certeza, uma evangelização que promova cristãos comprometidos e testemunhas dos valores do Evangelho, cientes de que como diz o compositor Zé Vicente em sua música – Missão de todos nós –
O Deus que me criou, me quis, me consagrou para anunciar o seu amor”. Eu sou como chuva em terra seca para saciar, fazer brotar; eu vivo para amar e para servir!
Para o cristão fica sempre o convite e o envio de Jesus: “Ide por todo o universo e anuncie a Boa-nova a todas as criaturas” (Mc 16,15). Tudo se responde neste envio de Jesus. Ele fala de uma Igreja itinerante formada por seus seguidores com a missão de ir a todas as criaturas presentes no mundo, revelando a Boa-nova da mesma forma que fez o Mestre.